sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Depois do terror: por que sobrevive o comunismo em Democracia? (2)

Os alvores dos anos 90 assistiram ao colapso do último totalitarismo no poder. Apesar de erradicados do poder, as democracias parlamentares ocidentais coexistem com partidos legatários de ideologias totalitárias, os quais garantem, inclusive, regressos intermitentes ao poder, infiltrados em coligações. A principal peculiaridade atinente à sobrevivência, em democracia, da ideologia totalitária decorre do modo como a extrema-direita e a extrema-esquerda se adaptaram à nova conjuntura. Enquanto que a extrema-direita se camufla, abdicando de símbolos icónicos que identificam o terror do século passado, a extrema-esquerda, representada pelo comunismo, nunca necessitou de renunciar às suas idiossincrasias. Por toda a Europa, os Partidos Comunistas (PC’s) continuam a brandir símbolos que Estaline empunhou, mantendo-se impoluta a logorreia que os feitores da URSS propagavam. Nas festas portuguesas do AVANTE, com regularidade, surgem efígies de Estaline, em bandeiras ou em camisolas, particularidade que pouco mais merece do que uma breve alusão nos jornais. Não há um repúdio abrangente, como se verificaria se a extrema-direita exibisse a suástica ou o rosto de Hitler. O regresso, furtivo ou ostensivo, de Estaline reflecte a complacência de que continuam a fruir o comunismo e o seu principal carniceiro.

A persistência do comunismo em contextos democráticos poderá derivar do “universalismo” filosófico que subjaz ao movimento político, forjado por Marx e Engels, com antecedentes literários na Utopia, de Thomas More. Na verdade, entre muitas similitudes, há uma clivagem de índole filosófica que separa o comunismo do nazismo. Essa clivagem só poderia ser mitigada, ou abolida, se consideramos “Mein Kampf” uma obra filosófica, o que não me parece verosímil… Se a orfandade de “universalismo”, que “vitima” o nazismo, pode explicar a sua irreversível estigmatização, a naturalidade com que o comunismo se adaptou à democracia, depois das hecatombes soviética e sínica, poderá ser justificada por esse substrato filosófico intemporal. Como enfatiza Anne Appleubam, no seu galardoado Gulag, uma História, o comunismo, de raiz sociológico/filosófica, continua a ser escudado por quem reitera a avaliação de que a URSS simboliza “o bem deformado”. Ken Livingstone, ex-deputado da Câmara dos Comuns e presidente da Câmara de Londres, foi um dos arautos dessa distinção. Conquanto possamos destrinçar na raiz filosófica do comunismo um projecto para a Humanidade munido de algum altruísmo e filantropia, o seu determinismo histórico profetiza o confronto e a abrupta eliminação de classes. Entre o universalismo comunista e o pragmatismo nazi, a eliminação, velada ou límpida, é um elemento distintivo. Mesmo recordando esta pulsão convulsiva, inextrincável do marxismo histórico, não acredito que Marx avalizasse o regime que Estaline edificou, pelo que não cuspo n' O Capital como cuspo no Mein Kampf. Mas cuspo, sem titubear, em Hitler e em Estaline.
Álvaro Cunhal, como um dos últimos grandes comunistas, morreu sem protagonizar uma única assunção, plena e cristalina, da malignidade intrínseca à União Soviética. Muitos outros comunistas, apesar de serem irrefutáveis as atrocidades perpetradas pela URSS, evitam discussões acerca desse paraíso terrestre inquinado, e, quando as aprovam, recusam declarar o seu inamovível repúdio. No máximo, e depois de um esforço ciclópico, emitem uma falsa censura: “A URSS representa o bem deformado”. Em nome da prossecução de um ideal, muitos dos comunistas democráticos contemporâneos aprovariam, creio, as políticas de Estaline, se naquela época tivessem vivido. Por isso, hoje, é de soslaio que observo as actividades políticas comunistas, enquanto adejam símbolos que representaram, para milhões, o calvário. Esmagados por machados e ceifados pela morte.
VS

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