domingo, 8 de agosto de 2010

Digressões na Corda Bamba

Certa vez, confessei a um dos meus amigos Pandorianos (o Tiago) que, para mim, o John McCain é que era. E confissão era de facto - quase como quem relata um pecado, esperando pela expiação. Sabemos o quanto pode ser difícil marchar contra o mainstream, em termos de opinião, seja indoors ou outdoors. (Uma das formas de parecer informado e inteligente consiste em usar palavras e expressões nessa língua franca que é o inglês - espero que gostem.) De qualquer modo, vem isto a propósito de duas leituras, em certo grau antagónicas, do primeiro ano e meio de governação de Barack Obama. (Gosto da palavra antagónico - estava mesmo à espera de uma oportunidade para usá-la; tal como gosto, imensamente gosto em boa verdade, de expressões como "em certo grau", "de certa forma", "até certo ponto". Que grau? Que forma? Que ponto? Não se sabe - e não é suposto saber-se.)
Onde ia eu? Ah, Obama e tal. Bem, está o actual Presidente dos EUA na mais baixa maré, em termos de popularidade, desde que iniciou funções. Eu desconfio, desconfio cada vez mais de modo visceral, de homens providenciais, que valem por um discurso, por uma imagem. Fazem-me sempre lembrar o carismático profeta que inicia uma seita e acaba linchado pela turba. Mas divago e exagero, com certeza.
A verdade é que Obama não tem conseguido debelar a crise económica e social que assole os EUA, apesar de nunca descurar a sua imagem pública - que é, afinal, o seu ponto forte. Conseguiu, todavia, à tangente, aprovar uma reforma de saúde - mais social, cujo desiderato é o de assegurar o acesso a cuidados de saúde por uma larga faixa de população americana - que não dispunha desse acesso. Muito recentemente também, uma campanha, cujo rosto é a Primeira Dama, tem vindo vindo a defender medidas públicas contra a obesidade, neste caso obesidade infantil. O propósito parecerá louvável e muito higiénico. No entanto, tem dado livre curso a - ou aumentado o caudal de - opiniões, algumas de especialistas, que referem a obesidade como uma «epidemia». A palavra insinua-se bem - mas é tudo menos inócua.
Com efeito, parece-me que o corolário de uma saúde mais estatizada, mais social, será sempre esta imposição de certos hábitos que se querem muito saudáveis. A ingerência nas escolhas e na liberdade pessoais é, porém, flagrante. E a questão torna-se ainda mais discutível quando, com o patrocínio do Estado - na Europa Ocidental; nos EUA -, de repente há uma porção da sociedade civil (por ser gorda, por ser fumadora, por ser... - onde acabaremos nós?) da qual, inevitavelmente, se dá uma imagem de decadência e de comportamento socialmente reprovável.
A esse respeito, não resisto a transcrever sapientíssimas e galhardas palavras de Miguel Esteves Cardoso:

"Ser-se gordo, hoje em dia, é um acto de resistência, um grito de liberdade.
Toda a cultura vigente, higieno-fascista e cobarde, diz-nos para ter cuidado com isto e aquilo; para não abusar; para nos submetermos às ditaduras das análises do colesterol e do diabo a sete. Querem que vivamos acocorados, tremendo de medo dos malefícios de tudo o que nos sabe bem há séculos a fio, negando a nós próprios qualquer prazer que não esteja regimentado, planeado e aprovado pelos mandarins da saúde pública. Querem que subsistamos como escravos e, caso persistamos em perseguir o que é reconhecidamente bom e agradável, que nos sintamos culpados e indecentemente arrependidos.
Pois não há-de ser assim que nos convencem. O pão com manteiga e o gin-tónico; as simples batatas fritas; a gordurinha estaladiça das costeletas de borrego... todas estas coisas nem sequer piscam quando as autoridades as proíbem e denigrem." (Miguel Esteves Cardoso - A Minha Andorinha, Assírio e Alvim).

FS

2 comentários:

  1. É o fim da civilização mas ninguém o nota porque toda a gente está ocupada a queimar calorias e tratar celulites!

    RB

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  2. O problema maior reside no facto de se dar uma importância cada vez menor ao intelecto e cada vez maior ao corpo, numa perspectiva pseudo-estética...longe vai o tempo em que gordura era formusura...longe vai o tempo em que as pessoas tinham capacidade para pensarem e se debruçarem sobre assuntos verdadeiramente importantes...

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